Elitismo
- Ana Branco

- 24 de abr. de 2024
- 2 min de leitura
A democracia é muito mais que a liberdade de expressão e o direito ao voto conquistados. Em Portugal, e não só, há pensamentos e ações demasiado enraizados. O excerto que partilho, do livro "Revolução inacabada" de João Pedro Henriques, pode muito bem servir para reflectir sobre essas “raízes”.
(…) Paulo Pedroso sustenta que, numa perspectiva internacional, verificam-se níveis de tolerância à desigualdade «completamente diferentes». «Há países onde há uma grande preocupação em manter a sociedade coesa e à cabeça podemos olhar para os escandinavos. Depois temos sociedades que procuram valorizar o mérito mas também dar grande segurança às classes trabalhadoras e aí o exemplo clássico é a Alemanha. E depois temos os países que toleram pobreza, exclusão e desigualdade sem grande perturbação da ordem social. Como paradigma podemos ver os EUA, a Inglaterra, os países anglo-saxónicos e o sul da Europa e Portugal faz parte disso.» Quanto a isto, diz ainda, «alguns sociólogos têm a teoria de que isto tem uma articulação com países onde houve escravatura e colonialismo. Países onde se criou um caldo de cultura para que nós não olhemos para todos aqueles que vemos na rua como nossos iguais. Portanto, isso, a tolerância à desigualdade, seria uma herança profunda de uma cultura escravocrata que Portugal foi.»
Ora isto «tem a ver com a questão de não ver o outro como igual a nós.» Quer dizer, a «disponibilidade para a solidariedade existe. O que não existe é a ideia de que todos têm o mesmo nível de direitos.» Isto relaciona-se igualmente com um dos males permanentes das desigualdades sociais em Portugal: a forma como nos resignamos com a existência de comunidades historicamente pobres (são-no, sempre o foram e sempre o serão).
(…)
Depois as coisas têm consequências que desencadeiam outras consequências, estas outras a seguir e por aí adiante: elitismo gera desigualdade, e a desigualdade gera outro comportamento «profundamente enraizado na desigualdade portuguesa; o de uma pessoa frágil dever acolher-se a um protetor.» Portugal tem uma longa tradição de «apadrinhamento», aquilo a que os cientistas sociais denominam «patrocinato», «raiz do clientelismo», outra palavra para compadrio e tudo ramificações, mais ou menos danosas, de um problema geral chamado «corrupção».
«Isto» - acrescenta - «o 25 de Abril não mudou nem vai mudar porque resulta de inércias culturais muito profundas.» Na verdade, «esta ideia de que os fracos devem acolher-se a um forte» (sentindo também os fortes o dever de acolher um fraco) não só resulta de uma necessidade prática ditada pelas desigualdades, como até se foi tornando num «ideal de virtude».
(…)
Elitismo, logo desigualdades (na vertente social), logo compadrio, clientelismo, corrupção (na vertente político-económica). Mas há mais: existe ainda elitismo como forma de empobrecimento da democracia.
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