Figura determinante do panorama literário português
- Ana Branco

- 16 de out.
- 2 min de leitura
De funcionário de escritório a poeta, António Ramos Rosa foi uma figura determinante do panorama literário português. Nascido a 17 de Outubro de 1924 foi apenas a partir dos anos 50 que deixou de ser “o funcionário cansado dum dia exemplar” para se dedicar às palavras que estavam “soterradas na prisão” da sua vida, como descreve no seu poema.
Além de poeta, Ramos Rosa foi também fundador e colaborador em inúmeras revistas literárias, como Árvore, Cadernos de Poesia ou Seara Nova. Foi também coordenador dos Cadernos do Meio Dia. Antologia de Poesia, Crítica e Ensaio, uma publicação cujos fundadores afirmavam ser não periódica para tentar escapar ao controlo da PIDE, intento que saiu gorado pois os números quatro e cinco da revista viriam a ser proibidos em 1960. Anos antes, o poeta já tinha desenvolvido a sua militância política associando-se ao Movimento de União Democrática (MUD), tendo sido inclusive preso pelo regime de Salazar.
Traduziu para português obras de Michel Foucault, Jacques Borel, Paul Eluard, Edoardo Sanguineti, Franco Fortini, Emmanuel Mounier, Boris Pasternak ou Stendhal, a partir do francês ou do castelhano, traduções disponíveis nas Bibliotecas da NOVA FCSH, tendo sido distinguido também nesta área, com o prémio Fundação de Hautevilliers para o Diálogo de Culturas em 1976. (in)
“O Funcionário Cansado”
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do
[ quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido
[ o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu
[ cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma só noite
[ comprida
num quarto só
in "O Grito Claro" (1958)



















