"Medo da Liberdade"
- Ana Branco

- 27 de ago.
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A 28 de Agosto de 1941, Erich Fromm publicou o livro "Medo da Liberdade". Explorando o conceito de que a democracia não só tem o poder de emancipar as pessoas, mas também de as alienar e desumanizar, a mensagem central de Fromm era que "se a humanidade não conseguir viver com os perigos e as responsabilidades inerentes à liberdade, provavelmente irá virar-se para o autoritarismo". Os excertos que partilho, são do capítulo sobre a democracia.
«A nossa própria democracia está ameaçada apenas pelo fascismo para além do Atlântico ou pela "quinta coluna" nas nossas próprias fileiras? Se assim fosse, a situação seria grave, mas não crítica. Mas, embora as ameaças externas e internas do fascismo devam ser levadas a sério, não há erro maior nem perigo mais grave do que não ver que, na nossa própria sociedade, enfrentamos o mesmo fenómeno que é solo fértil para a ascensão do fascismo em qualquer lugar: a insignificância e a impotência do indivíduo.
Esta afirmação desafia a crença convencional de que, ao libertar o indivíduo de todas as restrições externas, a democracia moderna alcançou o verdadeiro individualismo. Orgulhamo-nos de não estarmos sujeitos a nenhuma autoridade externa, de sermos livres para expressar os nossos pensamentos e sentimentos, e tomamos como certo que esta liberdade garante quase automaticamente a nossa individualidade. O direito de expressar os nossos pensamentos, no entanto, só significa alguma coisa se formos capazes de ter os nossos próprios pensamentos; a liberdade da autoridade externa é um ganho duradouro apenas se as condições psicológicas internas forem tais que sejamos capazes de estabelecer a nossa própria individualidade. Alcançámos esse objectivo ou, pelo menos, estamos a aproximar-nos dele?
(…)
A supressão dos sentimentos espontâneos e, portanto, do desenvolvimento da individualidade genuína, começa muito cedo, aliás, desde a educação inicial da criança. Isto não quer dizer que o treino deva inevitavelmente conduzir à supressão da espontaneidade se o verdadeiro objectivo da educação for promover a independência interior e a individualidade da criança, o seu crescimento e integridade. As restrições que tal tipo de educação pode ter de impor à criança em crescimento são apenas medidas transitórias que realmente apoiam o processo de crescimento e expansão. Na nossa cultura, porém, a educação resulta frequentemente na eliminação da espontaneidade e na substituição de actos psíquicos originais por sentimentos, pensamentos e desejos sobrepostos. (Por original, não quero dizer, repito, que uma ideia não tenha sido pensada antes por outra pessoa, mas que tem origem no indivíduo, que é o resultado da sua própria actividade e, nesse sentido, é o seu pensamento).
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Na nossa sociedade, as emoções em geral são desencorajadas. Embora não haja dúvida de que qualquer pensamento criativo — tal como qualquer outra actividade criativa — está indissociavelmente ligado à emoção, tornou-se um ideal pensar e viver sem emoções. Ser "emocional" tornou-se sinónimo de ser doentio ou desequilibrado. Ao aceitar este padrão, o indivíduo enfraquece enormemente; o seu pensamento empobrece e achata. Por outro lado, como as emoções não podem ser completamente eliminadas, devem ter a sua existência totalmente separada do lado intelectual da personalidade; o resultado é o sentimentalismo barato e insincero com que os filmes e a música populares alimentam milhões de consumidores sedentos de emoção.
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Outra forma intimamente relacionada de desencorajar o pensamento original é considerar toda a verdade como relativa. A verdade é apresentada como um conceito metafísico, e se alguém fala em querer descobri-la, é considerado retrógrado pelos pensadores "progressistas" da nossa época. A verdade é declarada uma questão inteiramente subjectiva, quase uma questão de gosto. O esforço científico deve estar desligado dos factores subjectivos, e o seu objectivo é olhar para o mundo sem paixão e interesse. O cientista precisa de abordar os factos com mãos esterilizadas, como um cirurgião aborda o seu paciente. O resultado deste relativismo, que se apresenta frequentemente sob o nome de empirismo ou positivismo, ou que se recomenda pela sua preocupação com o uso correcto das palavras, é que o pensamento perde o seu estímulo essencial — os desejos e os interesses da pessoa que pensa; em vez disso, torna-se uma máquina de registar "factos". Na verdade, tal como o pensamento em geral se desenvolveu a partir da necessidade de domínio da vida material, a procura da verdade está enraizada nos interesses e nas necessidades dos indivíduos e dos grupos sociais.
(…)
Outra forma de paralisar a capacidade de pensar criticamente é a destruição de qualquer tipo de imagem estruturada do mundo. Os factos perdem a qualidade específica que só podem ter como partes de um todo estruturado e conservam apenas um significado abstracto e quantitativo; cada facto é apenas mais um facto e tudo o que importa é se sabemos mais ou menos. A rádio, o cinema e os jornais têm um efeito devastador neste aspecto. O anúncio do bombardeamento de uma cidade e da morte de centenas de pessoas é descaradamente seguido ou interrompido por um anúncio de sabão ou vinho. O mesmo orador, com a mesma voz sugestiva, insinuante e autoritária, que acabara de usar para impressionar com a seriedade da situação política, impressiona agora o seu público com os méritos da marca específica de sabão que paga os noticiários. Os telejornais permitem que as imagens de navios torpedeados sejam seguidas pelas de um desfile de moda. Os jornais contam-nos os pensamentos banais ou os hábitos de pequeno-almoço de uma debutante com o mesmo espaço e seriedade que utilizam para relatar acontecimentos de importância científica ou artística. Por causa de tudo isto, deixámos de estar genuinamente relacionados com o que ouvimos. Deixamos de nos entusiasmar, as nossas emoções e o nosso juízo crítico são prejudicados e, eventualmente, a nossa atitude em relação ao que se passa no mundo assume uma qualidade de monotonia e indiferença. Em nome da "liberdade", a vida perde toda a estrutura; é composta por muitas pequenas peças, cada uma separada da outra e sem qualquer sentido no seu todo. O indivíduo fica sozinho com estas peças como uma criança com um puzzle; a diferença, no entanto, é que a criança sabe o que é uma casa e, por isso, consegue reconhecer as partes da casa nas pequenas peças com que está a brincar, enquanto o adulto não vê o significado do "todo", cujas peças lhe chegam às mãos. Fica perplexo e com medo e apenas continua a olhar para as suas pequenas peças sem sentido.
(…)
Qual é então o significado da liberdade para o homem moderno?
Libertou-se dos laços externos que o impediam de fazer e pensar como bem entendesse. Seria livre para agir de acordo com a sua própria vontade, se soubesse o que queria, pensava e sentia. Mas ele não sabe. Conforma-se a autoridades anónimas e adopta um eu que não é o seu. Quanto mais o faz, mais impotente se sente, mais é forçado a conformar-se. Apesar de um verniz de optimismo e iniciativa, o homem moderno é tomado por um profundo sentimento de impotência que o faz encarar as catástrofes que se avizinham como se estivesse paralisado. Vistas superficialmente, as pessoas parecem funcionar bem na vida económica e social; no entanto, seria perigoso ignorar a infelicidade profundamente enraizada por detrás deste verniz reconfortante. Se a vida perde o sentido por não ser vivida, o homem desespera. As pessoas não morrem em silêncio de fome física; também não morrem em silêncio de fome psíquica. Se considerarmos apenas as necessidades económicas da pessoa "normal", se não virmos o sofrimento inconsciente da pessoa média automatizada, então não conseguiremos ver o perigo que ameaça a nossa cultura a partir da sua base humana: a prontidão para aceitar qualquer ideologia e qualquer líder, desde que este prometa entusiasmo e ofereça uma estrutura política e símbolos que supostamente dão sentido e ordem à vida de um indivíduo. O desespero do autómato humano é solo fértil para os propósitos políticos do fascismo.»



















