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Os livros são perigosos

  • Foto do escritor: Ana Branco
    Ana Branco
  • 22 de abr. de 2024
  • 3 min de leitura
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Os livros transmitem e promovem a construção de conhecimento e o temor que, sobretudo, as classes dominantes lhe devotam reside no seu poder e capacidade de divulgar ideias, impor normas, transmitir costumes, incutir convicções, ditar valores e gerar transformações na sociedade para o bem e para o mal.


Não se escreve um livro de forma despretensiosa. Há sempre uma intenção de transmitir uma ideia, um conceito, de passar uma mensagem de acordo com a visão do autor, ou autores. Quem lê, interpreta de acordo com a sua percepção. Por mais que um livro venha com as suas intenções predeterminadas, cada leitor tem a sua singularidade e as suas especificidades, os seus valores, as suas perspectivas e expectativas frente à vida e à sua relação com o outro, assim cada livro terá a sua representação e apropriação diferenciadas.

Desde os primórdios que a sociedade é ditada por regras através de vários instrumentos de manipulação, persuasão e condicionamentos, sendo o livro um deles. Um livro tem poder para criar revoluções.


Os nazistas queimaram dezenas de milhares de livros nas cidades alemãs. A maioria dos livros foi escrita por autores judeus, mas obras de dissidentes políticos também foram colocadas na lista negra, levando ao exílio de muitos escritores. Aqueles que permaneceram na Alemanha enfrentaram a prisão ou até a morte. A 10 de Maio de 1933, estudantes universitários queimaram mais de 25.000 livros “não alemães” na Praça da Ópera de Berlim. Cerca de 40.000 pessoas reuniram-se para ouvir Joseph Goebbels fazer um discurso inflamado: “Não à decadência e à corrupção moral!”


Como parte de um esforço para alinhar as artes e a cultura alemã com as ideias nazistas (Gleichschaltung), estudantes universitários, em cidades universitárias por toda a Alemanha, queimaram milhares de livros que consideravam “não alemães” com o intuito de purificar a literatura alemã de influências “estrangeiras”, especialmente judaicas, e outras influências imorais, anunciando uma era de censura estatal e controle cultural. Entre os autores cujas obras foram queimadas estavam Helen Keller, Ernest Hemingway e Bertolt Brecht.


Em Portugal, o Estado Novo condenou muitos livros e autores à censura. Com o argumento dos livros poderem perverter a opinião pública, entre 1933 e 1974, a lista foi longa. Se na Constituição Política da República Portuguesa de 1933, o Artigo 1.º garantia “a expressão do pensamento por meio de qualquer publicação gráfica, nos termos da lei de imprensa e nos dêste decreto”, logo no Artigo 2.º se estipulava que continuavam “sujeitas a censura prévia as publicações periódicas definidas na lei de imprensa, e bem assim as fôlhas volantes, folhetos, cartazes e outras publicações, sempre que em qualquer delas se versem assuntos de carácter político ou social.”


“Art. 3.º A censura terá sòmente por fim impedir a perversão da opinião pública na sua função de fôrça social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade.”

Decreto-lei n.º 22.469 (Diário do Governo n.º 83/1933, Série I de 1933-04-11)


Num país submetido à trilogia “Deus, Pátria e Família”, qualquer outro tema era tido como atentado à moral e aos bons costumes. Livros eróticos ou pornográficos, e contra a religião católica, não tinham igualmente muitas hipóteses de serem aprovados. Entre a longa lista de autores cujas obras foram censuradas e proibidas pelo Estado Novo, encontram-se alguns dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa do século XX: Alexandre O’Neill, Alves Redol, Aquilino Ribeiro, Artur Portela Filho, Castro Soromenho, Jorge Amado, José Cardoso Pires, Luandino Vieira, Luís Bernardo Honwana, Luís de Sttau Monteiro, Maria Isabel Barreno, Maria Lamas, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Mário Cesariny, Miguel Torga, Natália Correia, Orlando da Costa e Vergílio Ferreira.


Se actualmente em Portugal há liberdade para publicar livros sobre os mais variados temas, a “censura”, a representação e percepção do conteúdo do livro é, essencialmente, do leitor.

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