“A Condição Humana”
- Ana Branco

- 13 de out.
- 2 min de leitura
«A pluralidade humana, condição básica da acção e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da acção para se fazerem entender. Com simples sinais e sons, poderiam comunicar as suas necessidades imediatas e idênticas.
Ser diferente não equivale a ser outro — ou seja, não equivale a possuir essa curiosa qualidade de «alteridade», comum a tudo o que existe e que, para a filosofia medieval, é uma das quatro características básicas e universais que transcendem todas as qualidades particulares. A alteridade é, sem dúvida, aspecto importante da pluralidade; é a razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem distingui-la de outra. Na sua forma mais abstracta, a alteridade está presente somente na mera multiplicação de objectos inorgânicos, ao passo que toda vida orgânica já exibe variações e diferenças, inclusive entre indivíduos da mesma espécie. Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa diferença e distinguir-se; só ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa — como sede, fome, afecto, hostilidade ou medo. No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se singularidade, e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres singulares.»
“A Condição Humana” é um ensaio sobre a acção do homem enquanto ser livre e plural. Hannah Arendt pega na expressão latina usada por Santo Agostinho, “vita activa”, para a decompor em três actividades: o labor, a que corresponde o “animal laborans” - o homem e as suas necessidades biológicas; o trabalho, a que corresponde o “homo faber” - que domina a natureza através do emprego da técnica e acção - a que corresponde o “homo sapiens”, o homem no exercício pleno da cidadania num espaço de pluralismo. É aqui que o homem ganha a sua liberdade, ao agir.
Nascida neste dia, em 1906, Hannah Arendt estudou na universidade de Marburg, onde conheceu Martin Heidegger. Com a subida dos nazis ao poder, tornou-se activista da causa judaica. Após a invasão alemã da França, onde vivia com o marido Heinrich Blücher, é internada num campo de concentração no Sul deste país. Consegue fugir e, no caminho para o exílio nos EUA, permanece alguns meses em Lisboa como refugiada. Em Nova Iorque publicará obras como "As Origens do Totalitarismo", "A Condição Humana", "Entre o Passado e o Futuro" e "Sobre a Revolução".



















