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A multiplicidade de Bergson

  • Foto do escritor: Ana Branco
    Ana Branco
  • 18 de out.
  • 3 min de leitura

Nascido neste dia, em 1859, Henri Bergson foi um dos mais famosos e influentes filósofos franceses do final do século XIX e início do século XX. Embora a sua fama internacional tenha atingido níveis de culto durante a sua vida, a sua influência diminuiu notavelmente após a Segunda Guerra Mundial. Embora pensadores franceses como Merleau-Ponty, Sartre e Lévinas tenham reconhecido explicitamente a sua influência no seu pensamento, é geralmente aceite que foi o bergsonismo de Gilles Deleuze de 1966 que marcou o renascimento do interesse pela obra de Bergson. Deleuze percebeu que a contribuição mais duradoura de Bergson para o pensamento filosófico é o seu conceito de multiplicidade.


O conceito de multiplicidade de Bergson tenta unificar de forma consistente duas características contraditórias: a heterogeneidade e a continuidade. Muitos filósofos pensam hoje que este conceito de multiplicidade, apesar da sua dificuldade, é revolucionário. É revolucionário porque abre caminho a uma reconcepção de comunidade.


O conceito de multiplicidade tem dois destinos no século XX: o bergsonismo e a fenomenologia (Deleuze, 1991, pp. 115-118). Na fenomenologia, a multiplicidade dos fenómenos está sempre relacionada com uma consciência unificada. No bergsonismo, “os dados imediatos da consciência” (les données immédiates de la conscience) são uma multiplicidade.


O Tempo e o Livre Arbítrio devem ser encarados como um ataque a Kant, para quem a liberdade pertence a um domínio fora do espaço e do tempo. Bergson pensa que Kant confundiu o espaço e o tempo numa mistura, com o resultado de que devemos conceber a acção humana como determinada pela causalidade natural. Bergson oferece uma resposta dupla. Por um lado, para definir a consciência e, por conseguinte, a liberdade, Bergson propõe diferenciar entre tempo e espaço, “desmisturá-los”, poderíamos dizer. Por outro lado, através da diferenciação, define os dados imediatos da consciência como sendo temporais, ou seja, como a duração (la durée). Na duração não há justaposição de acontecimentos; não há, portanto, causalidade mecanicista. É na duração que podemos falar da experiência da liberdade.


Para Bergson, devemos compreender a duração como uma multiplicidade qualitativa – por oposição a uma multiplicidade quantitativa. Como o nome sugere, uma multiplicidade quantitativa enumera coisas ou estados de consciência através da exteriorização uns dos outros num espaço homogéneo. Em contraste, uma multiplicidade qualitativa consiste numa heterogeneidade temporal, na qual “vários estados conscientes são organizados num todo, permeiam-se uns aos outros, [e] gradualmente ganham um conteúdo mais rico” (Tempo e Livre Arbítrio, p. 122). Bergson insiste mesmo que a palavra “vários” é inadequada à multiplicidade qualitativa porque sugere numeração.


A ideia de multiplicidades qualitativas é difícil de compreender, embora seja o cerne do pensamento de Bergson. Normalmente, pensaríamos que se existe heterogeneidade, tem de haver justaposição. Mas, nas multiplicidades qualitativas, há heterogeneidade e não há justaposição. As multiplicidades qualitativas são temporais; a multiplicidade qualitativa define a duração. Tal como acontece com as multiplicidades quantitativas, Bergson dá-nos muitos exemplos. Mas talvez o exemplo mais significativo seja o sentimento de simpatia porque, na “Introdução à Metafísica” de 1903, Bergson define a intuição como simpatia.


A nossa experiência de simpatia começa, segundo Bergson, quando nos colocamos no lugar dos outros, sentindo a sua dor. Mas, continua Bergson, se fosse só isso, o sentimento inspirar-nos-ia aversão pelos outros, e gostaríamos de os evitar, e não de os ajudar. Mas depois, percebemos que, se não ajudarmos este pobre coitado, ninguém virá em meu auxílio quando eu precisar de ajuda. Há uma “necessidade” de ajudar quem sofre. Para Bergson, estas duas primeiras fases são “formas inferiores de piedade”. Em contraste, a verdadeira piedade não é tanto temer a dor, mas desejá-la. É como se a natureza cometesse uma grande injustiça e o que queremos é não sermos vistos como cúmplices dela.


Como diz Bergson: “A essência da piedade é, portanto, uma necessidade de auto-humilhação [s’humilier], uma aspiração descendente” em direção à dor. Mas, esta aspiração descendente desenvolve-se num movimento ascendente no sentimento de ser superior. A pessoa sente-se superior porque percebe que pode prescindir de certos bens sensoriais. No final, porém, a pessoa sente humildade, humildade porque já não precisa e já não deseja tais bens sensuais. Ao negarmo-nos estes bens, de certa forma, restabelecemos a justiça.

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