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Emoções a mais. Política a menos

  • Foto do escritor: Ana Branco
    Ana Branco
  • 29 de set.
  • 3 min de leitura

Atualizado: há 2 dias

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«Os melhores actores políticos raramente se iludem com uma concepção serena da sua actividade profissional. Mesmo nas épocas não revolucionárias, sem dúvida menos propícias ao desenvolvimento das paixões, são incontáveis as reflexões que fazem menção à preponderância dos sentimentos sobre os argumentos.


A este respeito, Joseph Caillaux disse, em um trecho das suas Memórias: “O nosso país, nossos concidadãos, são mais abertos aos sentimentos, que à lógica. Apaixonam-se, mais que raciocinam. Admiram os homens que lhes parecem a expressão viva das suas aspirações confusas. Quando aprovam alguém, seguem-no aonde quer que os venha a conduzir.”


Os maiores oradores da Câmara conhecem bem os motores do sucesso político e, frequentemente, traem um dos seus segredos, a exemplo de Louis Barthou: “Não se pode ser orador senão ao preço desta emoção. É preciso ter medo da tribuna, para ser indiferente à tribuna. Gambetta e de Mun, Waldeck- Rousseau e Deschanel, Ribot e Jaurès, para falar apenas de grandes vozes que se extinguiram, conheceram esse medo, esse tremor íntimo, esta angústia física e moral, que abala todo o ser, antes da ação.” É ainda o que se lê nesse especialista das práticas parlamentares, que foi Georges Buisson, antigo chefe adjunto do Serviço Estenográfico da Câmara dos Deputados, ao comparar a arte da oratória de René Viviani à de Aristide Briand, para destacar uma outra ordem de funcionamento da vida política, que não apenas o confronto das ideias, regulado pela razão: As palavras podem parecer inflamadas, mas parece que a fé não o é: o verbo pode parecer cálido, mas pode-se crer que o coração é frio; o gesto pode levar ao lirismo, e se tem a forte impressão de que artista não tem paixão. O seu olhar, sempre com uma ponta de tristeza, parece indicar que ele está perpetuamente entediado e enfadado. Ademais, a voz é surda, velada, e M. René Viviani, que sabe de cor os seus discursos, os repete em marcha, pelos corredores, os recita muito rápido, muito rápido mesmo. Com este orador, no qual, apesar de tudo, o verbo é magnífico, esse excesso de rapidez é uma falha. Com certeza, os oradores, falando com uma tal tagarelice, correm menos o risco de serem interrompidos. Como o prova, às vezes, uma certa dificuldade que se tem para seguir o seu pensamento: os escutamos, mas sem os interromper.


Ao contrário, quando um orador tem uma voz cantante, cálida e cativante, quando a sua locução é mais lenta, não se tem essa impressão do esforço que se há-de fazer para seguir o seu pensamento: ele é mais bem compreendido. É o caso de M. Aristide Briand, que tem tudo à sua disposição: a eloquência persuasiva, a voz alternadamente grave e amável, o gesto natural e bem apropriado. Ele é, certamente, entre todos os oradores, aquele que deixa a impressão mais forte, o único que tem sangue-frio o bastante para ser, constantemente - quaisquer que sejam as circunstâncias -, senhor da velocidade da sua palavra, a fim de que se possa facilmente seguir o seu pensamento, sem fadiga, compreendê-lo bem, e estar, assim, melhor preparado para se deixar convencer.»


in BUISSON, Georges. “La Chambre des deputes”. Paris: Hachette, 1924. p.138-139.


O papel dos sentimentos e dos afectos na vida política é um segredo que todos conhecem. A despeito do sonho recorrente de alguns, dentre os quais se encontram o próprio Tocqueville e os teóricos do início século XIX, a política dos modernos, após a Revolução, não era inteiramente construída pela razão. A política não se nutria apenas de axiomas (afirmações fundamentais e autoevidentes, consideradas verdades sem a necessidade de prova dentro de um sistema de conhecimento, servindo como base para a construção de teorias), e nem reservava aos mais competentes a resolução das questões mais árduas. Ela teve, como nos tempos revolucionários, a sua fase inaugural, que conheceu intensos momentos de desinstitucionalização, comandados pela submissão da razão às paixões. A longa história da política contemporânea desenrola-se sob o império desta dialéctica entre a razão, a paixão e os interesses, num jogo subtil.


Em meados da década de 1990, a História Política levou em conta essa dimensão emocional da vida política. Pode-se esperar que a noção de “cultura política” favoreça este movimento, embora seja verdade que, às vezes, se faça cómodo não permitir nada além de um retorno à velha História das Ideias e dos Partidos Políticos.


Daqui em diante, passou a entender-se que a política se faz com um “conjunto de signos” (palavras que seguem um conjunto de regras gramaticais e sintácticas, permitindo a comunicação entre pessoas de uma mesma comunidade) que proclamam os reflexos identitários, não passando somente pelo reconhecimento das opiniões, ou só pelo teor ideológico do discurso. A adesão mobiliza todo um conjunto de processos complexos, que jamais se esgotam na cognição, mesmo quando se trata dos mais racionais dos interesses. É a parte emocional que preside a constituição do “vínculo político”.

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