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Filosofia para a vida

  • Foto do escritor: Ana Branco
    Ana Branco
  • 28 de fev. de 2024
  • 3 min de leitura

Filósofo, céptico e escritor erudito, leitor apaixonado de Sêneca e Plutarco, reconhecido como o precursor do ensaio literário, Michel de Montaigne é apontado como um dos principais representantes do humanismo renascentista.


“A vida de César não nos oferece mais exemplos do que a nossa, porque tanto a de um imperador quanto a de um homem vulgar são vidas humanas e sujeitas a todos os acidentes humanos.”


Conta que se tornou filósofo por acaso, sem um projecto predeterminado: “As minhas ideias são o que as fez a natureza. Para formá-las procurei não seguir nenhuma regra; e no entanto, por fracas que sejam, quando as quis exprimir e publicar nas melhores condições possíveis, achei de meu dever apoiá-las em raciocínios e exemplos, e maravilhei-me com perceber a que ponto se amoldam a inúmeros raciocínios filosóficos. A que doutrina se ligam? Só o soube depois de as expor e julgar do resultado; pertenço a uma nova espécie, sou um filósofo que se tornou filósofo por acaso e sem premeditação.”


A sua atracção pelas escolas pragmáticas da antiguidade - estoicismo, epicurismo e o ceticismo - vinha do lugar elevado na hierarquia dos valores que elas conferiam à atenção constante sobre a própria vida.


“A grandeza da alma consiste menos em se elevar e avançar do que em se ordenar e se circunscrever. Grande é tudo o que é suficiente; e há mais elevação em amar as coisas comuns do que as eminentes. Nada é tão legítimo e belo como desempenhar o papel de homem em todos os seus aspectos. Não há ciência mais árdua do que a de saber viver naturalmente; e a mais terrível das moléstias é o desprezo pela vida.”


Ironizava a arrogância do conhecimento humano: “Que me explique pelo raciocínio em que consiste a grande superioridade que pretende ter sobre as demais criaturas. Quem o autoriza a pensar que o movimento admirável da abóboda celeste, a luz eterna dessas tochas girando majestosamente sobre a sua cabeça, as flutuações comoventes do mar de horizontes infinitos, foram criados e continuem a existir unicamente para sua comodidade e serviço?”


Apesar da sua fé católica inquestionável e de ter vivido no período das guerras religiosas em França, Montaigne jamais sucumbiu à intolerância. Compreendia a sua opção religiosa determinada não por uma verdade transcendental, mas, sobretudo, pelas contingências culturais, “outras regiões, outras influências, promessas e ameaças poderiam igualmente impor-nos outras crenças. Somos cristãos como somos perigordinos ou alemães.”


No ensaio Os canibais, Montaigne apresenta a sua visão dos costumes primitivos e estrangeiros: “Nada vejo de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra.” Quando narra o encontro, em Rouen, na corte do rei Carlos IX, com três índios tupinambás trazidos do Brasil, Montaigne chama a atenção para a desigualdade na sociedade francesa: “observaram que há entre nós gente bem alimentada, gozando as comodidades da vida, enquanto metades de homens emagrecidos, esfaimados, miseráveis, mendigam às portas dos outros (na sua linguagem metafórica a tais infelizes chamam “metades”); e acham extraordinário que essas metades de homens suportem tanta injustiça sem se revoltarem e incendiarem as casas dos demais.”


Em vez de valorizar a aprendizagem puramente académica, Montaigne defendia um ensino centrado na experiência e na acção. Acreditava que a educação baseada em livros poderia consumir demasiado tempo e esforço, desviando os jovens de questões mais importantes da vida. Em vez disso, defendia uma abordagem educativa que capacitasse os estudantes a exercerem julgamento crítico, discernimento moral e habilidades práticas para enfrentar os desafios do mundo real.


“Visto que a filosofia é a ciência que nos ensina a viver e que a infância como as outras idades dela pode tirar ensinamentos, por que motivo não lha comunicaremos?”


As crianças deveriam ser habituadas às dúvidas e não às afirmações. É melhor parecerem aprendizes aos sessenta anos do que doutores aos dez, julgava o ensaísta, ele próprio perto daquela idade.

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