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Hierarquias sociais

  • Foto do escritor: Ana Branco
    Ana Branco
  • 20 de jan. de 2024
  • 6 min de leitura

Atualizado: 1 de dez.

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A maioria das formas de conflito e de discriminação podem ser entendidas como consequências da tendência humana de formar hierarquias sociais baseadas em grupos. A teoria do domínio social foi desenvolvida para explicar como as sociedades com excedentes económicos mantêm a estabilidade, isto é, mantêm a forma de hierarquias de domínio baseadas em grupos (Sidanius & Pratto, 1993).


O grupo dominante caracteriza-se por ter um valor social ou político (influência, status social etc.) ou acesso a recursos (habitação, educação ou saúde) bastante superior ou mais positivo em comparação aos demais grupos sociais. De acordo com Pratto et al. (1994), os indivíduos apresentam um traço de personalidade em relação à sua orientação para a dominância social (SDO), definido pela predisposição para as relações intergrupais hierárquicas.


Esta teoria e a sua pertinência social motivaram a realização de vários estudos que mostraram que a SDO está relacionada a ideologias que envolvem preconceito e apoio a políticas chauvinistas, sendo um forte preditor de atitudes negativas para com os direitos das mulheres (Heaven, 1999) dos imigrantes ilegais (Basset, 2010) e dos gays e lésbicas (Whitley & Aegisdóttir, 2000).


Segundo Sidanius, Levin, Federico, e Pratto (2001), em todas as sociedades há sistemas sociais sustentados em hierarquias centradas no sexo e na idade. Assume-se que os adultos têm maior poder sobre as crianças e os jovens, e que a estrutura social tende a favorecer os homens em detrimento das mulheres, atribuindo-lhes maiores níveis de poder social e político. Por outro lado, quando em determinadas sociedades se produzem excedentes económicos, surgem diferenciadores sociais, com base em outros critérios, de carácter aleatório, como “raça”, etnia, cultura, classe social, religião ou orientação política.


Sidanius e Pratto (2004) identificaram três processos que dirigem e mantêm as ditas estruturas: a assimetria comportamental, a discriminação individual e a discriminação institucional. Estes processos são regulados por crenças, valores, estereótipos, atribuições e ideologias que promovem a igualdade ou desigualdade social, fornecendo argumentos e justificativas de carácter moral e intelectual. Ou seja, a ética protestante e o direito à preguiça em relação ao trabalho, o socialismo e neoliberalismo em relação à sociedade.


A assimetria comportamental diz respeito às diferenças no comportamento dos indivíduos em função do grupo social a que pertencem, sejam eles membros de grupos hegemónicos ou membros de grupos desfavorecidos. Em certas situações, os próprios indivíduos pertencentes a grupos desfavorecidos assumem comportamentos e condutas que mantêm e apoiam a sua subordinação social, na medida em que, ao invés de resistir à discriminação e à opressão, tomam medidas que favorecem o sistema de desigualdade.


Na assimetria comportamental, há que se destacar a assimetria ideológica, que se refere ao facto de as atitudes e preferências do grupo dominante estarem fortemente orientadas por valores de dominância social em comparação aos grupos subalternos. A título ilustrativo, Sidanius, Feshbac, Levin, e Pratto (1997) observaram que, no grupo dominante caucasiano, a dominância social estava relacionada ao sentimento patriótico, o que não sucedia com os outros grupos étnicos (asiáticos, hispânicos e africano - americanos), nos quais não se observava nenhuma relação, ou ela era negativa.


A variabilidade de indivíduo para indivíduo no efeito dos mitos legitimados pela justificação do sistema de igualdade-desigualdade, levaram Sidanius e Pratto (1999) a proporem a orientação para a dominância social (SDO) como a predisposição para as relações intergrupais hierárquicas e não igualitárias. Pratto et al. (1994) encontraram relações positivas entre SDO e as medidas de políticas militares e punitivas (por exemplo, pena de morte) e relações negativas com as políticas de promoção de igualdade.


Estudos posteriores mostraram o carácter cultural do suporte da SDO dos mitos legitimadores. Além disso, estudos transculturais mostraram, no âmbito da denominada hipótese da invariância de sexo, que os homens obtêm pontuações mais altas em SDO do que mulheres, o que corrobora o pressuposto da teoria do domínio social sobre a existência de hierarquias universais. De acordo com Jost e Thompson (2000), a SDO pode ser vista como uma medida de justificação do sistema, incluída na teoria geral de Jost e Banaji (1994). Para esses autores, a Teoria da Justificação do Sistema expressa o processo pelo qual diferentes convenções sociais são legitimadas, em detrimento de interesses pessoais e de grupo.


Importa destacar duas das justificativas para a ocorrência deste fenómeno:


1. A justificação do grupo, ou o desejo de desenvolver e manter uma imagem favorável do próprio grupo e dos seus membros;


2. A justificação do sistema, que capta as necessidades psicológicas e sociais para justificar o status quo, considerando-o como algo bom, justo, natural, inevitável e desejável.


Para Jost, Banaji, e Nosek (2004), a orientação para a dominância social descreve as duas razões acima mencionadas. Por um lado, o factor de orientação para a dominância grupal pode ser entendido como uma forma de justificação do grupo. Por outro lado, o factor de oposição à igualdade pode ser entendido como uma forma de justificação do sistema. Estas descobertas levaram a um ajustamento na definição da SDO, aproximando-a das ideias da Teoria da Justificação do Sistema.


A SDO é o desejo geral de relações desiguais entre grupos sociais, independentemente de envolverem dominação ou subordinação do grupo. Em consonância com essa definição, Overbeck, Jost, Mosso, e Flizik (2004) observaram que os membros de grupos desfavorecidos com valores elevados em SDO adoptaram estilos de justificação do sistema em vez de resistência ao sistema de status quo.


Vários estudos mostram que a SDO está fortemente correlacionada ao racismo clássico (Sidanius, Pratto, & Bobo, 1996), ou com o patriotismo (Sidanius et al., 1997), bem como ao autoritarismo, principalmente à escala Right Wing Authoritarianism (RWA; Halkjelsvik & Rise, 2014). Na mesma linha, observaram-se correlações entre baixas pontuações na SDO e atitudes igualitárias entre homens e mulheres (Lippa & Arad, 1999). Em geral, pessoas com altos valores na escala SDO têm atitudes negativas em relação às pessoas pertencentes a grupos de baixo status ou com pouco poder social (Duckitt, 2006). O mesmo acontece em relação à ideologia de sexo e ao sexismo. Pratto e Walter (2004) consideram o poder como uma variável relevante para a compreensão das relações entre homens e mulheres. De acordo com a teoria do domínio social, a ideologia de género constitui um dos mitos legitimados da desigualdade.


A orientação para a dominância social implica a tendência a preferir relações hierárquicas entre grupos e a considerar os membros do grupo de pertença como superior, pelo que pode ser considerado um dos factores psicológicos que induzem à aceitação dos mitos que legitimam a desigualdade entre géneros. A assimetria de comportamento em grupos desfavorecidos (como no caso das mulheres) implica pessoas, em determinadas circunstâncias, adoptarem papéis submissos e tradicionais (no caso das mulheres, objecto romântico), em vez de resistirem à discriminação e opressão.


Salienta-se que a orientação para a dominância social está associada à cultura e identidade social, e que ambas podem sofrer efeitos em função da qualidade das relações intergrupais. É o caso dos efeitos de mobilidade social, que aumenta o contacto e a competição pelos recursos, podendo levar ao aumento da discriminação e violência. Como teoria integrativa, a teoria do domínio social descreveu como os aspectos da psicologia humana interagem com os sistemas de significado compartilhado e as instituições da cultura para reproduzir a estrutura hierárquica das sociedades. Portanto, a teoria do domínio social faz uma suposição diferente, sobre a estabilidade da hierarquia de domínio baseada no grupo, do que o conceito marxista de revolução, e uma suposição diferente sobre a possibilidade de promover a igualdade através da democracia ou "mudança social" do que muitas ciências sociais fazem.


Como a teoria do domínio social vê as sociedades humanas como sistemas de auto-organização e auto-perpetuação, a sua visão da mudança social é complexa. Sistemas sociais dinâmicos, por definição, têm “componentes” diferentes que se influenciam entre os níveis. Como sistemas dinâmicos, os colectivos humanos devem ser entendidos delineando como os múltiplos níveis de organização - nas hierarquias de dominância baseadas em grupos - interagem. Como muitas teorias das ciências sociais, a teoria do domínio social possui níveis de análise micro (geralmente pessoa), meso (geralmente grupo, instituição ou comunidade local) e macro (geralmente social).


A teoria do domínio social enfatiza as interações entre esses níveis e como eles tendem a consolidar efeitos, reforçar um ao outro, corrigir um ao outro e se ajustar. Teoricamente, é isso que faz as hierarquias de domínio baseadas em grupos funcionarem como sistemas dinâmicos - resistentes a mudanças substanciais na forma, mas suficientemente flexíveis para suportar mudanças na produção económica e nas ideologias e normas culturais.

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