Menos espectáculo
- Ana Branco

- 2 de nov. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: há 10 horas
A maioria de nós vive na crença da sua opinião ser a mais importante e a mais certa. A polarização política e a divisão partidária estão na ordem do dia. A "verdade” não é confiável. Os factos são apresentados selectivamente. As conversas sobre políticas públicas tornaram-se disputas de gritos sinuosos e descontrolados com pouca ou nenhuma moderação, criando campos de batalha onde apenas as vozes mais altas e pressupostamente mais importantes prevalecem.
Temos hoje uma legião de intelectuais mediáticos e evanescentes, em conformidade com a natureza do capital financeiro e com os fluxos da informação. Entende-se porque ao capital especulativo, que quer lucrar sem se comprometer com a produção, corresponde o "intelectual ficcional" que discursa sem dizer nada. Desqualificou-se o pensamento crítico e proliferam os "cientistas", os humanistas eclipsaram-se diante dos gestores, os mediáticos substituíram os educadores, as opiniões tomaram o lugar dos debates democráticos e os lobbies dispensaram as organizações sociais.
O extremismo prospera na simplicidade. É o equivalente político da fast food. A retórica populista alimenta-se de um ambiente onde as ideias complexas são reduzidas a pequenos slogans concebidos para encerrar conversas e silenciar pontos de vista opostos. Vencer não deveria significar dominar o oponente com retórica, mas sim colmatar a lacuna de compreensão entre pontos de vista absurdos.
É preciso ir além dos limites das agendas políticas e da política, porque as políticas e as ideias afectam a vida real. Quando pretendemos criar limites às liberdades dos demais, estamos a criar limites às nossas próprias liberdades. Os muros que impedem os outros de entrar são os mesmos que nos impedem de sair.
Viver em comunidade implica, por um lado, uma vontade de cooperação num agir colectivo e, por outro, um esforço de coordenação entre um largo espectro de valores, juízos, opiniões, ideias e orientações, normalmente diversas e contraditórias. A política, também inclui uma dimensão de solução de conflitos por diferentes meios. Uma política democrática trata de solucionar opiniões contraditórias por meio de um consenso a que as diferentes partes afectadas possam chegar.
Na democracia actual e real, institucionalizada em partidos e influenciada por grandes organizações, existe toda uma série de promessas não cumpridas e irrealizadas em que persistem as oligarquias e os interesses particulares se sobrepõem aos da representação política. Existe a ausência de uma cultura pública, que vincule os cidadãos à democracia. Em democracia, a legitimidade das leis assenta na persuasão das razões que as podem sustentar e, por oposição a regimes de dominação, se os cidadãos forem convencidos, numa discussão igual e livre, essa persuasão é transformada em império da lei. Mas uma discussão igual e livre só é possível com um público informado e educado.
A comunicação política deve reflectir que a interacção entre governantes e governados é constitutiva de um espaço onde as instituições políticas formais da democracia – os governos, as oposições partidárias e os parlamentos – servem uma ideia forte, que é a de permitir aos cidadãos encontrar formas de se governarem nas quais se reconheçam, e não um espectáculo de entretenimento.



















