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“nós” e “eles”

  • Foto do escritor: Ana Branco
    Ana Branco
  • 9 de nov.
  • 3 min de leitura
How Fascism Works

«(…) O sintoma mais marcante da política fascista é a divisão. Destina-se a dividir uma população em “nós” e “eles”. Muitos tipos de movimentos políticos envolvem tal divisão. Por exemplo, a política comunista utiliza como arma as divisões de classe. Para fazer uma descrição da política fascista é necessário descrever a maneira muito específica pela qual a política fascista distingue “nós” de “eles”, apelando para distinções étnicas, religiosas ou raciais, e usando essa divisão para moldar a ideologia e, em última análise, a política. Todo o mecanismo da política fascista trabalha para criar ou solidificar essa distinção. (…)»

Nem todo o fascismo é antissemita, mas o antissemitismo é um elemento essencial para a conceitualização do fascismo. Na prática, os movimentos fascistas não podem passar sem a criação de um imaginário sobre um inimigo desumanizado. O inimigo pode ser o judeu e o judaísmo, mas não necessariamente, pode ser o islão, o comunismo, os grupos LGBTQ+, os migrantes ou os emigrantes, etc. O essencial é a existência de um grupo específico a servir ao propósito de mobilizar a base de massas, seja ele qual for.


No livro, Jason Stanley apresenta a sua tese já no título: o fascismo não morreu em 1945, está presente nas democracias contemporâneas e, indo além, talvez possa ser compreendido como um método de política, não como uma ideologia. Um método que propõe uma divisão binária e maniqueísta entre segmentos sociais específicos, desumanizando um grupo em função de um passado idealizado supostamente deturpado por eles.


Stanley classifica parte dos capítulos do livro de acordo com características que identifica como essenciais dos fascismos. Por exemplo, o primeiro trata do resgate ao passado mítico, um traço típico não apenas do fascismo como conceito genérico, mas também do reaccionarismo em geral. Um passado idealizado, que teve a sua glória deturpada por um grupo específico, que deve ser demonizado por meio de outro elemento-chave que o autor aponta como título do segundo capítulo: a propaganda. São características interligadas, incluindo o anti-intelectualismo e a irrealidade do conspiracionismo paranóico, aspectos analisados em profundidade no terceiro e quarto capítulos, como uma cadeia de causa e efeito. É o passado idealizado que gera a necessidade de culpabilizar um grupo, “eles”, pela suposta degeneração, dado o conspiracionismo paranóico, o que é feito por meio da propaganda com profundo viés anti-intelectual.


Além do papel da hierarquia, tema do quinto capítulo, outra essência que o autor identifica nos fascismos é a teoria da conspiração, tópico do quarto. As teorias da conspiração evoluem, adquirem novos traços, embora mantenham pontos em comum. A narrativa, geralmente, é a mesma: um grupo específico, com forças muito superiores a que possuem de facto, está a ameaçar a estabilidade da nação ou do grupo escolhido. E quanto mais estapafúrdia, mais absurda, mais inverosímil, mais eficaz. O conspiracionismo não joga com a razão, mas com a paranóia. Uma paranóia que precisa do irreal para ter a sua razão de ser.


No auge do maniqueísmo, o adversário passa a encarnar os males do mundo, elevados exponencialmente a um nível quase satírico. Como Stanley percebe, este é um jogo que coloca os grandes meios de comunicação como reféns, já que, incapazes de cobrir todas as teorias estrambólicas, são tratados pelo discurso conspiracionista como cúmplices. Teorias que absorvem directamente outro ponto que Stanley identifica como essencial, tema do sexto capítulo: a vitimização. Os adeptos das teorias tendem a acreditar que são vítimas de uma conspiração que retira o seu poder (económico, político, social) em função de um outro grupo minoritário.


É óbvio que não é preciso existir o fascismo para que exista disseminação de teorias da conspiração e ataques a um grupo específico. Da mesma forma, não é sequer preciso o contacto directo com o grupo minoritário para se empreender um processo de desumanização. O imaginário pode ser construído num processo secular, enraizando-se de tal forma que permanece mesmo que o grupo específico inexista.

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