“Pós-liberalismo”
- Ana Branco

- 22 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 2 dias
As palavras têm poder. Infiltram-se nas discussões, muitas vezes despercebidas e com origens que passam despercebidas ao cidadão comum. É o caso do “pós-liberalismo”.
Os problemas do mundo actual são atribuídos ao "consenso liberal desacreditado" dos últimos quarenta anos, promovido pelos "progressistas". Nesta narrativa, o liberalismo económico dos anos 80 fundiu-se com o liberalismo social dos anos 60 numa globalização do excesso. É necessária uma “ordem pós-liberal” para ir além de ambos.
Todas estas ideias partiram de uma crítica comunitária à ideologia do neoliberalismo e à sua obsessão pelo individualismo. Em vez disso, procuravam uma economia política que reconhecesse ideias como o bem comum, que tinham sido desafiadas de modo que as comunidades se tornavam impotentes quando o trabalho desaparecia e os jovens partiam para nunca mais voltar.
O que se perdeu, como reconheceram alguns pós-liberais, não foram apenas bens económicos como o trabalho, mas toda uma ecologia moral de comunidade, valores partilhados e patriotismo – para alguns, a ideia de trabalho, família, fé e bandeira.
A nova ordem liberal (neoliberalismo) parecia oferecer libertação e diversidade ao privilegiar indivíduos autónomos, mas, em vez disso, desencadeou o caos de uma ordem moral, cultural e política sem valores. Para os conservadores, isto foi ilustrado pelo aparente ataque ao casamento tradicional e aos direitos de género, mas, para a esquerda, foi também demonstrado pela negação da dignidade do trabalho, da manufactura qualificada e das oportunidades nas comunidades em declínio, bem como pela ausência de orgulho nacional.
Como resposta à crise política, social e económica, o “pós-liberalismo” é uma forma poderosa de separar as agendas político-partidárias do passado falhado dos partidos exaustos. Mas se consegue reunir a força necessária para oferecer um caminho coerente a seguir que não se reduza à mera nostalgia por um mundo que perdemos ou, mais preocupantemente, a uma agenda política de autoritarismo populista, é uma questão mais séria. Consequentemente, o "pós-liberalismo" oferece um desafio aos teóricos políticos que desejam pensar para além dos limites das ideias filosóficas liberais e a um movimento político que procura reorientar o discurso dos partidos políticos. Em alternativa, pode ainda inspirar uma renovação da teoria e da prática política liberal.
O pós-liberalismo é um movimento político que combina as ideias de teóricos políticos, intelectuais públicos e comentadores que rejeitam o que vêem como a tirania das ideias liberais sobre a política prática e as políticas públicas.
A vertente populista do pós-liberalismo tem estado intimamente associada à ascensão das políticas de austeridade nas democracias ocidentais. Esta mudança populista está então ligada à rejeição do que é considerado um cosmopolitismo elitista e à sua substituição por um regresso às teorias comunitárias do bem comum. Esta recuperação do bem comum como base de uma política pós-liberal tem dado origem a debates sobre os termos fundamentais dos argumentos políticos morais, como a distinção entre o comunitarismo do bem comum e o altruísmo do bem comum.
O comunitarismo do bem comum é uma filosofia política e ética que enfatiza que o bem-estar de uma comunidade é um objectivo primordial, e o florescimento individual é alcançado através da participação e do compromisso com os valores e objectivos partilhados pela comunidade. Defende uma vida pública onde valores éticos partilhados e um "bem comum" colectivo orientam a tomada de decisões individuais, levando a acções e políticas orientadas para a comunidade que priorizam o bem-estar geral em detrimento do interesse individual.
O altruísmo do bem comum combina o conceito filosófico do bem comum com o princípio ético do altruísmo para promover acções que beneficiem a sociedade como um todo, sem esperar recompensas pessoais, e baseia-se em evidências e na razão para maximizar resultados positivos. O altruísmo eficaz, por exemplo, aplica estes princípios defendendo cálculos imparciais para encontrar e apoiar causas que criem o maior bem para o maior número de pessoas, como a saúde global, a igualdade social e a sobrevivência a longo prazo da humanidade.
Nota: parte do texto é baseada em artigos do Professor Paul Kelly (London School of Economics and Political Science).



















