“Ética, retórica e política”
- Ana Branco

- 21 de fev.
- 2 min de leitura
Uma compilação de artigos e conferências escritos entre 1979 e 1987, em que Victoria Camps conscientemente coloca a tensão entre pólos no próprio centro da ética: o lugar da ética está na tensão entre o que é e o que deveria ser; na mediação entre o plano dos princípios e conceitos universais e a realidade efectiva, plural, concreta, histórica e complexa.
«Ora, não é tão fácil separar os critérios ou os ideais de justiça dos de felicidade. Uma coisa é afirmar o mito da autoidentidade humana, a impossível reconciliação do indivíduo e do Estado. Outra é reconhecer que a lei, mesmo quando é formada por um ideal de justiça, deixa áreas sem atenção - frustrações, decepções, adversidades -. E um terceiro, agarrado a uma ideia de justiça tão fria e racional, tão calculista, que não tem relação com a felicidade. Pensar que a reflexão ética deve ser uma reflexão sobre a justiça é ver apenas metade do problema. É o reconhecimento das injustiças que nos revela o nome da justiça, dizia Heráclito, o pensador da discórdia. Assim, o grito de justiça não está longe da nostalgia da felicidade»
O lugar da ética não é o das situações contrafactuais onde prevaleceriam as leis prístinas da argumentação lógica, o lugar das situações ideais de diálogo libertas do ónus da ação, mas das situações reais de diálogo, com as suas exigências de ação, com os constrangimentos à deliberação e ao diálogo, com as limitações da informação e as fragilidades da vontade. Victoria Camps resume essa intuição com uma fórmula fecunda: a razão prática é e deve ser impura. «A razão prática, nada mais é do que aquela razão tentativa, conjectural, que, entre dúvidas e incertezas, quer revelar os valores e os desvalores do comportamento humano.»
Camps, em vez do conhecimento absoluto, remete-nos para o conhecimento imaginativo e a retórica, em vez do Estado prussiano defende a democracia, e em vez da reconciliação com a realidade propõe a insatisfação e a crítica.
O dever de ser absoluto e incondicional não é conhecível, embora possa ser nomeado, assim como a justiça, a liberdade, a igualdade ou a felicidade, das quais também não sabemos "de uma vez por todas". É por isso que a ética se produz no diálogo real, onde o sentido desses valores imprecisos e abstratos, por não poder ser determinado ou negociado em termos puramente lógicos, deve inevitavelmente ser iluminado com a ajuda da retórica. Assim, a ética deve banir definitivamente do seu horizonte as abordagens "monológicas" vinculadas ao paradigma filosófico mentalista, o paradigma da filosofia moderna do sujeito ou da consciência, para se desenvolver num paradigma intersubjetivo. A verdade e a objetividade devem ser substituídas pela validade do julgamento e pela intersubjetividade. O mundo da ética, como o da política, tem que ser um mundo de cidadãos, nunca mais um mundo de súbitos.



















